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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Zilda e o Santo Graal

 Fernando Altemeyer Junior - especial para o jornal FOLHA DE SÃO PAULO - Publicado no domingo, 17 de janeiro de 2010 – primeiro caderno - Brasil – página A11 - Opinião1

Uma tristeza doída, um sentimento de ausência, uma perplexidade nos incomodam. Quão difícil é contemplar a morte de milhares de irmãos nossos do povo bom do Haiti. Somou-se a este calvário coletivo a dor pessoal diante da experiência de orfandade que vivemos com a morte da Doutora Zilda Arns Neumann, a "Oma" de milhares de netas e netos que participam da Pastoral da Criança.

Ficou este nó na garganta e, em nossa mente ecoa a pergunta enigmática: Por que tal catástrofe? E por que com um povo que já viveu tantas? Por que quem fez tanto bem como a doutora Zilda morre antes do tempo no exato momento em que profetiza tempos de paz, de amor e de vida? Onde estará a resposta? Uma antiga lenda do cristianismo dizia que todas as perguntas aos sofrimentos humanos seriam respondidas quando fosse redescoberto o paradeiro do Santo Graal, o cálice de Cristo. Milhares de cristãos passaram suas vidas na busca do cálice sagrado. O Santo Graal teria as respostas que buscamos para esta hora crucial do povo irmão do Haiti? O Santo Graal nos ajudaria a interpretar a perda da dra. Zilda?

Creio que sim! Zilda fez seu caminho de vida e mostrou, por sua morte, o segredo do viver. Ela decifrou o enigma e bebeu do cálice sagrado. Zilda Arns Neumann morreu por obedecer ao convite da Unicef e oferecer-se integralmente pelas crianças de todo o planeta. Por este sim integral, ela viverá. Zilda falou de Deus com suas mãos, com a ciência médica, com o coração de mãe, com o sorriso terno, com a fé teimosa e convicta. Por este Deus de amor por quem viveu, ela ressuscitará.

Zilda creu no voluntariado que envolve a todos na graça do serviço e da alegria. Creu nas mulheres pobres e no mutirão do saber partilhado. Creu no soro caseiro, na pesagem semanal, no aleitamento materno e na multimistura. Creu nas ações educativas de base. Creu no sorriso das crianças. Creu na vida. Creu na esperança. Zilda encontrou o Santo Graal que nós tanto buscávamos de forma equivocada e mítica.

Este o segredo: O Santo Graal esteve sempre nas mãos das crianças. Está no ventre das grávidas. Está na ternura dos pobres. Está na justiça vivida. Está no amor feito ação e na verdade feita perdão.

O segredo emergiu luminoso da boca de Doutora Zilda, na última fala de sua vida: "Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, deveríamos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los".

Obrigado, querida e amada doutora Zilda. Por tua morte e por tua vida. Por tua missão e por tua entrega. Por teu amor e por teu sorriso. Grato por nos ensinar a ver milagres de Deus, dentro das entranhas da dor. Grato por ver com teus olhos, ressurreição onde todos só conseguem ver fatalidade. Grato por experimentar e gestar vida onde tudo revela dor.

Você encontrou o verdadeiro Graal: bebeu do cálice do amor doando sua própria vida. Esta é a resposta, este é o lugar sagrado: uma vida triturada, misturada e semeada com o povo haitiano. Este é o verdadeiro sentido de viver: fidelidade ao Evangelho no seguimento de Jesus, com fé, esperança e amor.


* Fernando Altemeyer Junior, mestre em teologia e doutor em ciências sociais, professor do depto. de Ciências da Religião da PUC-SP. email: fajr@pucsp.br

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